Depois de mais de duas décadas, está em processo de lançamento o filme documentário, Marcos, Força de Vontade, sobre a vida e a obra do artista plástico joseense, Marcos Santos, que ao nascer faltou oxigênio no cérebro lesionando sua fala e obstando os movimentos dos braços e mãos, assim exerce sua arte com pé esquerdo.

Marcos busca na arte discernir as diversidades físicas encontradas pela frente, em circunstâncias nenhuma, é impulsionado a enfrentar cotidianamente, os percalços inerentes aos seres humanos – como é mostrado na cena de abertura, onde o espaço cênico e o equilíbrio físico da personagem, pode incomodar o desatento e confortável expectador, sem nenhuma oposição da direção, que permite o desenrolar da ação, tão pouco interferi na insuperável tensão com os expectadores, pois sua condição é análoga à invalidez.

Devido ao longo período de sua realização, o diretor Zoran Djorjvic, também atuou como fotografo cinegrafista, num processo de aproximação com a atmosfera, o ambiente, ritmo e os afazeres diários do Marcos personagem e da pessoa física, em convívio com sua família, possibilitando maior interação e desenvoltura com o aparato técnico de captação de imagens, sons, tripé, luz, onde a câmera observa a movimentação corporal do artista em seu estado de realização plena.

Neste estado de espírito Marcos diz que a arte é o motivo que o faz querer levantar, tomar o café da Marisa – sua esposa -, ir para o ateliê e quando suas forças se esgotarem e a tela o desagradar, ele teimosamente insiste até a pupila dos olhos começarem a brilhar, momento em que o objeto representado ganha a forma da verossimilhança.

A princípio o argumento inicial foi cedendo espaço para o desenvolvido do exercício informal sobre enclausuramento simbolista, Marcos em seu ateliê, Zoran em outro país. Embora a ideia inicial seguiria a estrutura prevista no argumento, mas, as peças do xadrez político mundial interferiu diretamente na vida do diretor, que retornou ao seu país de origem e lá estando, convive com a explosão da guerra que provocou a mudança do mapa mundi, determinando o sumiço da Iugoslávia e o surgimento de vários outros países. 

Então, a ideia original sofreu as consequências também do tempo. Zoran retorna ao Brasil e recomeça e reinicia, tudo outra vez. O filme prima por flertar com o comentário também do olhar estrangeiro, incorpora a violência social por que atravessa seu personagem, intimamente atingido em sua condição de homem preto, pobre, deficiente convivendo numa cidade onde estão suas profundas raízes. 
Sem retroceder no espaço e no campo do tempo, Marcos e Zoran ressentes questões muito antigas que permeiam suas históricas. No entanto o filme ancora na força de vontade do personagem, aflora sua relação com o filho caçula, iça a força da capoeiragem e ao mesmo tempo, abre espaço para a figura do palhaço, dois temas que entrelaçam e habitam a pintura do artista, por serem temas que driblam o sistema, seja em suas pinceladas de onde emerge a capoeira, luta que se disfarça em forma de dança ou a maneira como o palhaço resolve uma situação que o público acha que ele não vai conseguir. Resoluta, a arte ultrapassa fronteiras visíveis e imaginárias.
 
Marcos, Força de Vontade é um filme que chegou num tempo adverso, mas com substância para superar a dispersão dos tempos em que ele se apresenta para sua plenitude.